A bebedeira de fim de ano – ou de fim de semana – e a dose diária de álcool após o expediente podem esconder uma dependência alcoólica e acarretar prejuízos ao fígado. Ambos os comportamentos são nocivos à saúde e podem também facilitar a inflamação severa do órgão.
No ambulatório de hepatologia do Hospital do Servidor Público Estadual, em São Paulo, aproximadamente 30% dos casos atendidos são para tratar a doença hepática relacionada ao consumo de álcool.
Na medicina, a bebedeira ocasional é chamada de “consumo episódico pesado” ou, em inglês, “binge drinking”. O comportamento é classificado a partir da quantidade de consumo de bebida alcoólica. Em homens, a ingestão de cinco ou mais doses de álcool em um evento indica o problema. Para as mulheres, o número é de quatro ou mais doses em uma tarde ou noite.
O comportamento de beber muito de vez em quando é bem aceito socialmente, justamente por ser encarado como um deslize ou um exagero pontual. Porém, o consumo episódico pesado pode causar tanto mal à saúde quanto à ingestão contínua de bebida alcoólica em pequenas quantidades por longos períodos. Entre os problemas de saúde relacionados à prática estão arritmias cardíacas, gordura no fígado e hepatite alcoólica, além de transtornos psiquiátricos como depressão e ansiedade.
A literatura médica relata que o consumo exagerado e esporádico é mais comum entre adultos de 25 a 34 anos. O comportamento também é visto entre os indivíduos na quinta década de vida. Nesse recorte, os homens são maioria em relação às mulheres que bebem nessa quantidade e frequência. Porém, o alerta serve para os dois.
Quanto ao consumo contínuo de pequenas quantidades de bebida alcoólicas por longos períodos, que pode parecer inofensivo, é importante esclarecer que ele também está relacionado a problemas de saúde. Entre as alterações estão: aumento da pressão arterial e propensão à síndrome metabólica, que podem levar ao desenvolvimento de doenças cardiovasculares, diabetes e derrames, além da cirrose.
É importante lembrar de que a ingestão regular de álcool acima de 20 gramas por dia – o equivalente a uma lata e meia de cerveja, aproximadamente – já está associado a um aumento importante da mortalidade por diferentes doenças. Por isso, o consumo de bebidas alcoólicas é desestimulado.
De acordo com dados de 2023 da Vigilância de Fatores de Risco ou Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), a frequência do consumo abusivo de bebidas alcoólicas nos últimos 30 dias – à época em que a pesquisa foi realizada – foi de 20,8% dos adultos acima de 18 anos no país.
O tratamento da inflamação severa do fígado causada pelo consumo de álcool é feito a partir da interrupção da ingestão de bebida alcoólica e pode envolver medicação e terapia para mudança de comportamento. E, neste momento de fim de ano, em que repensamos atitudes, é oportuno questionarmos práticas incentivadoras do uso do álcool, como os tradicionais brindes durante festas, por exemplo.
Dito isso, do ponto de vista da saúde, devemos desestimular o consumo de bebidas alcoólicas, seja de grandes ou pequenas quantidades, esporádico ou frequente. E é preciso lembrar que por trás desses comportamentos pode se esconder uma dependência dessa substância que causa adoecimento físico e mental – de pessoas e da sociedade.
* Silvia Soares é hepatologista do Hospital do Servidor Público Estadual (HSPE), em São Paulo