A Procuradoria-Geral da República denunciou, na noite desta terça-feira 18, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outras 33 pessoas por crimes como associação criminosa, golpe de Estado e tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito.
No documento, a atuação dos 34 golpistas denunciados é detalhada e separada em quatro grandes núcleos de atuação, que juntos formam a “organização criminosa estruturada para impedir que o resultado da vontade popular expressa nas eleições presidenciais de 2022 fosse cumprida”.
Na prática, explica a PGR, todos atuavam em conjunto visando manter Bolsonaro no poder ou fazer com que ele retornasse ao cargo de presidente “pela força, ameaçada ou exercida, contrariando o resultado apurado da vontade popular nas urnas.”
Cada grupo, sustenta o órgão, cumpriu ao menos uma etapa do plano golpista, que se desenvolveu “em fases, momentos e ações ao longo de um tempo considerável”. “Os delitos descritos não são de ocorrência instantânea, mas se desenrolam em cadeia de acontecimentos, alguns com mais marcante visibilidade do que outros, sempre articulados ao mesmo objetivo”.
A longa denúncia – com mais de 270 páginas -, está agora nas mãos do relator do caso no Supremo Tribunal Federal, o ministro Alexandre de Moraes. O documento é apenas o primeiro passo do que promete ser um longo processo. A partir de agora, Moraes deve abrir prazo para que todos os envolvidos se manifestem. Em seguida, submete a denúncia a julgamento na Primeira Turma do STF, onde os ministros decidirão se tornam ou não os acusados em réus.
O primeiro núcleo
Para a PGR, a responsabilidade pelo plano golpista é de Jair Bolsonaro, que liderava a organização criminosa com base ’em projeto autoritário de poder’. A formação complexa estava “enraizada na própria estrutura do Estado” e tinha “forte influência de setores militares”. Os grupos descritos, ainda segundo a PGR, eram organizados “em ordem hierárquica e com divisão de tarefas”.
O primeiro núcleo, segundo a denúncia, é “o núcleo crucial da organização criminosa”. O grupo era composto por oito membros, que aderiram ao plano em momentos distintos. Cabia a este núcleo a tomada das “principais decisões e ações de impacto social”. Os oito integrantes apontados pela PGR são:
O segundo núcleo
O segundo grupo descrito pela PGR na denúncia tinha o papel de gerenciar as ações elaboradas pela organização. Ao todo, seis denunciados integrariam este núcleo. Três desses membros (Silvinei Vasques, ex-chefe da PRF; Marília de Alencar, ex-diretora de Inteligência do Ministério da Justiça; e Fernando de Souza Oliveira, ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal) coordenavam “o emprego das forças policiais para sustentar a permanência ilegítima de Bolsonaro no poder”.
O general Mário Fernandes e o coronel Marcelo Costa Câmara, que assessoravam o Planalto naquela ocasião, também integravam esse segundo núcleo e ficaram responsáveis por coordenar “as ações de monitoramento e neutralização de autoridades públicas”. O último integrante do grupo era Filipe Martins, assessor direto de Bolsonaro, que apresentou e sustentou a chamada minuta golpista.
O terceiro núcleo
A PGR passa então a descrever o papel de um terceiro grupo, que tinha como missão principal executar as ações coordenadas pelo núcleo anterior. Doze pessoas são citadas nessa parte do documento e tinham papéis distintos. Veja:
“ESTEVAM CALS THEOPHILO GASPAR DE OLIVEIRA, como Comandante do Comando de Operações Terrestres (COTER), aceitou coordenar o emprego das forças terrestres conforme as diretrizes do grupo. HÉLIO FERREIRA LIMA, RAFAEL MARTINS DE OLIVEIRA, RODRIGO BEZERRA DE AZEVEDO e WLADIMIR MATOS SOARES lideraram ações de campo voltadas ao monitoramento e neutralização de autoridades públicas. Os especialistas BERNARDO ROMÃO CORREA NETTO, CLEVERSON NEY MAGALHÃES, FABRÍCIO MOREIRA DE BASTOS, MÁRCIO NUNES DE RESENDE JÚNIOR, NILTON DINIZ RODRIGUES, SERGIO RICARDO CAVALIERE DE MEDEIROS e RONALD FERREIRA DE ARAUJO JUNIOR promoveram ações táticas para convencer e pressionar o Alto Comando do Exército a ultimar o golpe“, detalha a PGR no documento entregue ao STF.
O quarto núcleo
Por fim, esse quarto grupo da organização golpista, segundo a PGR, foi designado por Bolsonaro para coordenar as estratégias de desinformação. O núcleo era formado por oito membros, sendo a maioria militar, são eles:
“Eles propagaram notícias falsas sobre o processo eleitoral e realizaram ataques virtuais a instituições e autoridades que ameaçavam os interesses do grupo”, detalha a PGR. “Todos estavam cientes do plano maior da organização e da eficácia de suas ações para a promoção de instabilidade social e consumação da ruptura institucional”, comenta, ainda, o órgão.
Segundo a denúncia, esse núcleo produzia materiais com mentiras sobre as urnas eletrônicas, além de ataques a autoridades, e repassava material para influenciadores digitais.
A descrição dos papéis de cada um dos núcleos só foi possível, segundo a procuradoria, porque os golpistas teriam documentado cada passo da trama golpista. “A organização criminosa descera ao cuidado de documentar o seu projeto de retenção heterodoxa do Poder. Durante as investigações, foram encontrados manuscritos, arquivos digitais, planilhas e trocas de mensagem reveladores da marcha de ruptura da ordem democrática”, explica o órgão na denúncia.
A documentação coletada durante as investigações, e usada pela PGR na denúncia, permite, por exemplo, concluir que os pronunciamento de Bolsonaro “não eram mero arroubo impensado e inconsequente”, mas sim ações planejadas e executadas pela organização criminosa golpista.
Os investigadores, como exemplo, citam a reunião do ex-capitão com embaixadores para atacar as urnas eletrônicas. O evento gerou, mais tarde, a inelegibilidade de Bolsonaro na Justiça Eleitoral.
“O que parecia, à época, um lance eleitoreiro, em si mesmo ilícito e causador de sanções eleitorais, mostrou-se, a partir da trama desvendada no inquérito policial, um passo a mais de execução do plano de solapar o resultado previsto e temido do sufrágio a acontecer logo adiante”, afirma a PGR. “Preparava-se [na reunião] a comunidade internacional para o desrespeito à vontade popular apurada nas eleições de outubro”, conclui Gonet.
Se a denúncia for levada até o fim pelo STF a pena para Bolsonaro, como líder da organização criminosa, pode chegar a 28 anos de prisão. O ex-capitão pode ver, ainda, a inelegibilidade se prolongar se for considerado culpado pelos fatos apontados pela PGR.
Em nota, os advogados de Bolsonaro chamaram as acusações do órgão de “narrativa fantasiosa” e alegam que Bolsonaro não teria participado de uma articulação golpista.
A PGR, por sua vez, sustenta na peça que “golpes que se consumam não dão ensejo a punição dos vitoriosos. A tentativa é o fato punível descrito na lei.”
Antes mesmo da denúncia, o ex-presidente, pessoalmente, passou a acelerar as articulações em Brasília para que o Congresso promova uma anistia aos envolvidos na trama descrita em detalhes pela PGR. A ideia é simples: uma lei que possa perdoar os crimes cometidos pelo grupo denunciado pela PGR, bem como aos participantes do 8 de Janeiro.
O texto já tramita no Congresso, mas enfrenta fortes resistências e está paralisado desde o ano passado.
Os aliados do ex-presidente também atuam, neste momento, para reformar a Lei da Ficha Limpa com o objetivo de reverter a inelegibilidade imposta ao ex-capitão. A intenção é abrir caminho para que Bolsonaro possa ser candidato já em 2026.