Ninguém em sã consciência fica pensando em uma doença do coração que possa estar em andamento e seja capaz de mudar completamente o roteiro de sua vida. Mesmo aquelas pessoas que cultivam hábitos não saudáveis, como tabagismo e alimentação rica em gorduras, certamente não param sua rotina para imaginar que suas artérias podem estar progredindo para um entupimento total e fatal.
Em geral, o mais comum é que as pessoas sigam suas vidas até que um dia se deparem com uma doença cardíaca estabelecida. A partir desse momento, começam a usar grande quantidade de medicamentos e ficam mais próximas de um procedimento invasivo no coração. Isso quando não encaram algo trágico.
Seria tão mais fácil, mais prudente e menos oneroso prevenir essas doenças… Tanto para o indivíduo como para o sistema de saúde, público ou privado, que tem de arcar com gastos exorbitantes das enfermidades em fase tão avançada. Não há como escapar: precisamos investir em prevenção.
E a prevenção das doenças cardiovasculares começa com algo básico e concreto: um check-up periódico. A expressão vem da língua inglesa e pode ser traduzida como “investigação” ou “rastreamento”. Seja qual for o entendimento, um check-up é feito por meio da seleção de exames bioquímicos e de imagem que permitam dimensionar qual a situação e qual o risco cardiológico.
Quando pensamos em envelhecimento saudável, em praticar atividades físicas ou até eventualmente passar por uma cirurgia de qualquer porte, o conhecimento sobre nossa condição cardiológica é obrigatório e fundamental.
O que entra num bom check-up?
O check-up deve ser individualizado de acordo com a história pregressa de doenças, faixa etária, hábitos e vícios, medicamentos em uso e objetivos pessoais e profissionais. No entanto, é possível estruturar um protocolo que inclua exames cardiológicos capazes de representar a saúde cardíaca global de um indivíduo. Esse tipo de protocolo é recomendado pelas principais sociedades de cardiologia do mundo.
Assim, todas as pessoas que pretendem prevenir doenças cardíacas potencialmente letais, como o infarto do coração e o derrame cerebral, devem realizar alguns exames bioquímicos e de imagem periodicamente. Vale destacar, também, que a periodicidade é determinada pelo médico, levando em consideração aspectos genéticos, hábitos de vida e eventuais doenças cardíacas preexistentes.
Os exames bioquímicos são basicamente dosagens realizadas no sangue. Podemos citar colesterol total e suas frações, triglicerídeos, ácido úrico, glicemia de jejum, hemoglobina glicada e hormônios da tireoide. A elevação da fração LDL do colesterol, a redução da fração HDL e a elevação dos triglicerídeos são fatores que favorecem o entupimento de vasos sanguíneos em nosso corpo.
Ácido úrico elevado ou hiperuricemia exerce um papel importante na elevação de nossa pressão arterial, podendo aumentar o risco para um derrame cerebral. O diabetes, caracterizado pelo aumento da glicemia de jejum e da hemoglobina glicada, causa inúmeras disfunções orgânicas, como entupimento das artérias do coração e insuficiência renal.
Os hormônios da tireoide, por sua vez, participam diretamente do controle metabólico global. A deficiência destes hormônios causa arritmias cardíacas, elevação das taxas de colesterol LDL e alterações de nosso equilíbrio emocional.
Testes complementares
Nas últimas décadas, muitos estudos demostraram uma relação direta entre as doenças cardíacas e processos inflamatórios nos vasos sanguíneos. Na tentativa de identificar e mensurar a inflamação, alguns biomarcadores, como a homocisteina, lipoproteinas e proteína C reativa, têm sido incluídos na lista dos exames bioquímicos.
Algumas dosagens específicas no sangue são essenciais em caso de suspeita de infarto agudo do coração ou embolia pulmonar, duas patologias potencialmente fatais. A elevação de troponinas no sangue pode indicar infarto do coração e a elevação do dimero-D pode ser útil num cenário clínico onde é necessário descartar embolia pulmonar.
Exames de imagem
Aqui podemos incluir aqueles que retratam o comportamento eletrocardiográfico do coração, os que apresentam um estudo gráfico acerca de nossa pressão arterial e ritmo cardíaco e, por fim , aqueles que fornecem imagens propriamente ditas da anatomia, morfologia e fluxo sanguíneo do coração.
O eletrocardiograma é um exame que reflete o ritmo do coração naquele instante em que está sendo executado e pode fornecer informações limitadas por ser feito quando a pessoa está em repouso. No caso de sintomas cardíacos agudos, como no caso de um infarto, o valor clínico do eletrocardiograma é mais significativo.
O teste ergométrico é um exame dinâmico, que exige diferentes intensidades de esforço físico, permitindo estimar com maior propriedade a existência de áreas isquêmicas, ou seja, segmentos do músculo cardíaco nos quais o fluxo sanguíneo está reduzido.
Os exames conhecidos como Mapa – monitoração ambulatorial da pressão arterial – e o Holter são utilizados para avaliar , respectivamente, o comportamento da pressão arterial e do ritmo cardíaco ao longo de 24 horas. Neles, encontramos gráficos que demonstram a variabilidade da pressão arterial e ritmo cardíaco.
O ecocardiograma é um exame de extrema relevância em qualquer protocolo de check-up. Ele representa o estudo ultrassonográfico do coração e geralmente é complementado com o uso do Doppler, uma ferramenta importante para avaliação do fluxo sanguíneo dentro do órgão e no interior dos vasos sanguíneos. Os principais benefícios incluem avaliação da força do músculo cardíaco e o funcionamento das valvas cardíacas.
Quando houver necessidade de uma avaliação mais profunda e mais minuciosa do músculo e valvas cardíacas, a recomendação seria a realização de uma ressonância magnética do coração.
Para um estudo mais direto e objetivo das artérias coronárias, responsáveis por levar nutrientes e oxigênio ao músculo cardíaco, dois exames podem ser realizados, a angiotomografia computadorizada e o cateterismo. Na angiotomografia, usa-se uma substância endovenosa chamada contraste para mapear a anatomia das artérias coronárias e identificar eventuais obstruções, tortuosidades e depósito de cálcio nas artérias.
No cateterismo, exame tecnicamente chamado de cineangiocoronariografia, é necessário puncionar uma artéria da virilha ou do braço para inserir um cateter que será direcionado para o interior das artérias coronárias e, por meio de contraste, consegue-se o mapeamento anatômico dos vasos.
Em geral, todas as pessoas, em diferentes fases da vida, precisam passar por um check-up. Não será talvez um protocolo totalmente idêntico, quando se analisam faixa etária, histórico familiar e aspectos pessoais, mas deve ter um caráter global para minimizar riscos e orientar ações preventivas.
O coração é um dos órgãos mais surpreendentes, tanto nos aspectos positivos como negativos, e isso nos obriga a utilizar todos os recursos bioquímicos e de imagem disponíveis em prol do melhor rastreamento possível. E você, já marcou seu check-up?
* Edmo Atique Gabriel é cardiologista e cirurgião cardiovascular, professor universitário e coordenador do curso de medicina da Unilago, em São José do Rio Preto (SP)
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