Um relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS), publicado em abril, alertou que uma em cada seis pessoas em idade reprodutiva em todo o mundo sofre de infertilidade. No Brasil, cerca de 8 milhões de indivíduos podem ser inférteis, de acordo com a Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA). Por ser um problema que pode ocasionar sofrimento, estigma e dificuldades financeiras, afetando o bem-estar mental e psicossocial das pessoas, o segmento de medicina reprodutiva tem buscado alternativas.
“No mundo, a medicina reprodutiva cresce ao redor de 5% ao ano. Mas, na América Latina, estamos em plena ebulição, com taxas de crescimento que rondam os 10-12% nos últimos anos. O Brasil lidera o mercado com quase 50 milhões de ciclos e uma penetrância altíssima no uso de testes genéticos”, afirma a biomédica e geneticista Marcia Riboldi, vice-presidente de vendas e marketing de dispositivos médicos da Igenomix Brasil e Latam.
As soluções para prevenção, diagnóstico e tratamento da infertilidade incluem tecnologias como a reprodução assistida – considerado um mercado promissor e bastante atual. Segundo os dados mais recentes do SisEmbrio (Relatório de Produção de Embriões), divulgado anualmente pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o número de ciclos de fertilização in vitro (FIV) para reprodução assistida no Brasil registrou 31 mil procedimentos em 2020, um pico de 42 mil em 2021 e 36,5 mil em 2022.
“Com a pandemia vimos um crescimento no mundo do congelamento de óvulos, para que no futuro as mulheres possam ter a oportunidade de tomar uma decisão de tentar ter um filho ou não”, salienta o médico Marcus Dantas, diretor executivo da clínica Vida Centro de Fertilidade, do Rio de Janeiro.
Transformações da sociedade
A causa da infertilidade pode ser tanto do homem quanto da mulher, ainda que hoje se costume falar em infertilidade conjugal. Afinal, existe uma combinação de diferentes fatores que podem levar à questão, como ambientais, doenças genéticas e outras patologias.
Roberto de Azevedo Antunes, diretor da SBRA e diretor-médico da Fertipraxis Centro de Reprodução Humana, pontua que o aumento da infertilidade também está relacionado com “a perspectiva dos casais em constituírem família cada vez mais tarde e com o aumento da idade para o nascimento do primeiro filho nas mulheres, contribuindo de forma significativa para as maiores dificuldades em engravidar”.
Esse fato passa pelas transformações da sociedade nas últimas décadas, em que a mulher assumiu um papel muito mais ativo no mercado de trabalho, como observa Daniel Suslik Zylbersztejn, coordenador médico do Fleury Fertilidade e PhD em Reprodução Humana: “A colocação da mulher em outro patamar da sociedade, onde pode ser a dona do seu próprio futuro, faz com que ela engravide em uma idade mais avançada. Assim, mulheres a partir dos 28 anos começam a reduzir o potencial reprodutivo. Mas dos 35 anos em diante, essa perda é mais acelerada”.
Zylbersztejn lembra ainda que fatores ambientais e de estilo de vida, como tabagismo, consumo excessivo de álcool e obesidade, também afetam a fertilidade: “A obesidade é uma das principais doenças do mundo e leva a síndromes metabólicas, com um prejuízo gigantesco, criando um cenário de entendimento que o ser humano está com uma maior dificuldade de reprodução”.
As mudanças nas estruturas familiares também têm impacto nesse segmento. Para Edson Borges, sócio-fundador do Fertlity Group, de São Paulo, “com as mudanças sociais desta última década, a reprodução assistida também é utilizada nas novas composições familiares, como homens e mulheres solteiros e casais homoafetivos”.
Mercado aquecido, mas custos ainda são entrave
O crescimento desse segmento tem movimentado o mercado. Recentemente, em abril, um fundo de private equity da XP Asset, o FIP XP Private Equity II, anunciou o aporte de R$ 200 milhões para criar uma holding que atuará como uma plataforma para a consolidação de clínicas de reprodução assistida. A Vida Centro de Fertilidade e o Fertility Group fazem parte das cinco clínicas brasileiras que receberam o investimento e farão parte desse conglomerado.
Na visão de Borges, é um movimento natural: “O mercado mundial, principalmente na Europa e nos Estados Unidos, já vem consolidado os laboratórios e empresas de reprodução assistida. O mesmo processo iniciou aqui no Brasil, estando este interesse voltado ainda para o setor de diagnóstico como a genética reprodutiva”.
E os grandes players também estão de olho nesse mercado em crescimento. O Grupo Fleury, por exemplo, idealizou em 2021 o Fleury Fertilidade. “Criamos o Fleury fertilidade para ser um centro de medicina reprodutiva. Ele não tem médicos próprios, é uma clínica aberta para todos os médicos. São investimentos que fizemos para colocar o Grupo Fleury aberto a todos esses profissionais que querem oferecer o melhor para o seu paciente”, relata Diego Penna Moreira, diretor de crescimento e novos negócios do grupo.
Com apenas dois anos de atuação e R$ 14 milhões investidos no espaço, Moreira destaca que o crescimento tem sido significativo e que o diferencial é o modelo de negócios. O Fleury Fertilidade também conta com a incubadora com time-lapse, tecnologia com inteligência artificial capaz de acompanhar o desenvolvimento embrionário desde o início e escolher os mais saudáveis.
Contudo, a preservação da fertilidade, bem como um tratamento na medicina reprodutiva, ainda permanece distante para muitas pessoas devido aos altos custos: “Estão mais acessíveis que no passado, mas infelizmente ainda é um processo de elite. Quanto mais conseguirmos democratizar isso, melhor vai ser para todo o processo”, reflete Moreira.
“Valores que giram ao redor de R$ 30 mil são inevitáveis em cada tentativa. Adicionando os testes genéticos podemos chegar ao redor de R$ 50 mil por tratamento de fertilização in vitro”, esclarece a geneticista Marcia Riboldi, da Igenomix. E há ainda desafios de insumos, tecnologia e cobertura pelos planos, como pondera Marcus Dantas: “Esses tratamentos não são cobertos pela saúde suplementar e não vemos nenhuma decisão completa de que possam ser oferecidos fora da rede privada”.
Por isso, a questão do acesso é um desafio, segundo Azevedo, diretor da SBRA: “Precisamos tentar melhorar o acesso aos tratamentos de medicina reprodutiva para a população no Brasil. Apenas uma pequena parte dela consegue arcar com os custos, mesmo diante de uma realidade de menores custos que temos hoje em dia”.
Tratamentos como benefício corporativo
O cenário pode mudar com a crescente procura de algumas empresas com tratamentos mais voltados para o congelamento de óvulos. É o caso da startup Fertably, que oferece benefício corporativo de cuidados de fertilidade e assistência de planejamento familiar para empresas brasileiras.
Aleksandra Jarocka, CEO da Fertably, relata que trabalhava no RH de uma empresa multinacional e um dos seus papéis era analisar e contratar planos de saúde para funcionários. Porém, percebeu que questões de fertilidade não estavam incluídas. Aleksandra morava na Polônia e passou por um problema de saúde reprodutiva. Foram 11 anos buscando um tratamento adequado. Como nos Estados Unidos já existe uma cultura maior de fornecer procedimentos de fertilidade como benefício corporativo, a CEO da Fertably resolveu estudar o modelo e, depois, decidiu trazer para o Brasil.
“Do ponto de vista corporativo, sinto que as empresas começaram a entender como o benefício de fertilidade pode realmente mudar as vidas das colaboradoras, aumentar a retenção e ser um diferencial no mercado de trabalho. Tem também uma ligação muito clara entre benefícios de fertilidade oferecidos pela empresa e a equidade de gênero nas empresas. O intuito do benefício não é forçar ninguém a congelar óvulos, mas sim oferecer uma escolha. Para nós, parece uma questão de tempo até incluírem esse apoio na oferta de benefícios, da mesma forma como vimos nos Estados Unidos”, analisa.
O benefício da Fertably é personalizável. As empresas podem oferecer o apoio que melhor atende às necessidades da equipe e é possível adequá-lo ao tamanho da companhia. Além disso, a startup pretende amplificar os debates sobre o tema não só entre mulheres cis, mas também com homens cis e com pessoas LGBTQIA+ que querem formar uma família.
Não foram revelados números de atendimento, mas a CEO da Fertably expõe que tiveram mais de sete mil pessoas com acesso à plataforma voltada para pessoas físicas, novo produto da startup. Além do benefício corporativo, “expandimos as operações para também atender a pessoas que talvez não possam ter esse benefício, mas que querem encontrar profissionais qualificados e melhores condições de preço dos procedimentos nas nossas clínicas parceiras”, detalha.
Porém, como lembra Daniel Suslik Zylbersztejn, tratamento não é garantia de gravidez, é tentativa: “Quando falamos de preservação de fertilidade, é tentativa. Eu não estou garantindo que ela vá engravidar com os óvulos congelados. É uma tentativa de preservar a fertilidade para o futuro. Você congelando aos 30 anos, vai ter uma chance maior de gravidez do que tentando engravidar aos 45 anos. Mas não é 100%”.
Os avanços dos testes genéticos na medicina reprodutiva
Neste campo, a tecnologia acompanha os serviços que são prestados. Um exemplo são os testes genéticos, que conforme Marcia Riboldi, são essenciais tanto no diagnóstico quanto no tratamento. Existem inúmeros testes genéticos que podem ser empregados diretamente na paciente em busca de respostas ao histórico que ela apresenta ou no embrião com a finalidade de prevenir síndromes e aumentar as chances de sucesso.
A geneticista comenta que o teste que cresce exponencialmente é o PGT-A, realizado através de uma biópsia embrionária. Com esse material, é realizado um sequenciamento de nova geração com a finalidade de estudar o DNA e conhecer a informação genética do embrião antes da transferência. Com isso, consegue-se saber se os embriões são normais ou se apresentam alterações, que causam falhas de implantação, abortos ou até mesmo síndromes.
Com o PGT-A, aumenta-se a chance de sucesso para as pacientes: “Por exemplo, uma paciente de 40 anos mesmo realizando um tratamento de FIV possui uma chance de sucesso que não supera os 20-25%, no entanto, se essa mesma paciente realiza um PGT-A sua chance sobe para 60% obtendo apenas um embrião euplóide”, demonstra Riboldi.
Em relação aos avanços na medicina reprodutiva, a geneticista sinaliza que os testes genéticos vão beneficiar a população cada vez mais e esclarece que a nível embrionário há pesquisas com o intuito de explorar o máximo que as técnicas de sequenciamento de Nova Geração (NGS) podem contribuir, como a realização de um exoma ou até mesmo o genoma do embrião. Além disso, há pesquisas com a ferramenta genética Crisp-Casp9 que possibilitará, por exemplo, quando diagnosticado uma doença rara no embrião, a correção do gene, possibilitando a reversão dessa mutação e quem sabe a transferência de um embrião sano para a paciente.
“Além disso, o uso da inteligência artificial é algo que vai permitir estudar os bancos de dados genéticos em busca de respostas a diferentes causas e quem sabe até permitir o desenvolvimento de novos testes diagnósticos para a infertilidade”, pontua.
E com tecnologia permitindo avanços significativos, os pacientes estão questionando cada vez mais sobre os tratamentos. “O grande desafio é transmitir as informações à população, que ainda conhece muito pouco sobre infertilidade e a limitação natural da capacidade reprodutiva da nossa espécie”, reflete Edson Borges, do Fertility Group.
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