Investigado por esquema de corrupção no Detran-MS e foragido da Justiça, David Cloki Hoffmamm Chita teria aberto outra frente de “trabalhos” no departamento de tránsito. A Polícia civil descobriu novo esquema a qual o despachante teria começado a operar, usando uma servidora que, ironicamente, traballhou na Corregedoria do órgão.
Chita já foi investigado na Operação 4 eixo e na Operação Vostok, famosa por a partir de uma delação dos irmaos Batista, da JBS, ter apontado um sofisticado esquema de corrupção no Estado. Na ocasião, Chita seria responsável por roubar uma propina de R$ 300 mil a serem pagas ao pecuarista José Ricardo Guitti Guimaro, o Polaco, e que acabou descoberta.
Em julho do ano passado, ele foi um dos alvos da operação para desmantelar esquema de fraude na regularização de caminhões no Detran, mas ao que indica as investigações, não foram o bastante para intimidá-lo, já que ele iniciou outro modo de ganhar dinheiro ilicitamente.
O novo esquema foi denunciado após um boletim de ocorrência registrado por um servidor, denunciando irregularidades na liberação e restrições administrativas de veículos no sistema de informações do Detran. A suspeita inicial surgiu quando o comunicante, que estava respondendo pela Direção da DIRVE, recebeu um telefonema de um advogado, que agradeceu pela remoção de uma restrição veicular. O servidor negou ter realizado tal ação, causando-lhe estranheza, pois estava acompanhando o trâmite de um pedido protocolado pelo advogado, ainda sem andamento.
O caso desencadeou a investigação interna, revelando 29 liberações irregulares de restrição em um curto período, com destaque para 27 delas associadas ao login do servidor, em um dia que ele não estava disponível para tal ação, indicando possíveis fraudes. Destas, 26 em um período de apenas uma hora.
A investigação apontou que Y. O. C. estaria usando o computador. Este servidor que fez a denúncia recordou que usou a senha dele pessoal neste computador para atender esta servidora, que gostaria de acompanhar os débitos de uma amiga.
No decorrer da investigação, a polícia percebeu que 25 baixas foram realizadas por David Hoffamam Chita, e uma por H. R.. Segundo a investigação, há fortes indícios da relação dos despachantes com as baixas indevidas, visto que, coincidentemente, os veículos tiveram documentos baixados no dia anterior.
Outras duas ocorrências de baixas indevidas foram anotadas em 15 de fevereiro, quando o servidor também acessou o computador da servidora, para ensinar uma função.
Cobrança de R$ 10 mil pela baixa
Um dos proprietários de veículos com restrições baixadas indevidamente recebeu ligação de um despachante de São Paulo, identificado como Charles, cobrando R$ 10 mil para regularização do veículo. Esse proprietário então contratou um advogado, que acionou o Detran para pedir a regularização, no dia 16 janeiro. Ocorre que, um dia após a retirada, no dia 16 de fevereiro, ele recebeu nova ligação, ameaçando retornar a cobrança, caso não recebesse os R$ 10 mil.
O despachante, que se identificou como Charles, disse que se não recebesse, não teria dinheiro para “pagar os caras’, o que no entendimento da polícia, indica presença de outros comparsas na efetivação da fraude. A polícia comparou as vozes e percebeu indícios robustos de que o autor da mensagem de voz seria David Chita.
“Assim, de maneira ainda mais clara, foram identificadas suspeitas de envolvimento do despachante David. Apenas pelo áudio constamos a existência de fortes indícios da participação de David nas baixas indevidas de restrições no sistema, na cobrança de valores de proprietários de veículos e pagamento de outros comparsas para a efetivação da fraude’, relatou a polícia.
Relacionamento afetivo
Segundo a investigação, havia relacionamento afetivo entre a servidora e Chita, bem como vantagens e valores pagos, com utilização de pessoas interpostas para o recebimento de transferências bancárias. A amiga da servidora, que ela teria feito consulta veicular, entregou o relacionamento dos dois, mais tarde comprovado pro fotos de WhatsApp.
A amiga, inclusive, confidencia como a servidora estaria sendo pressionada por Chita para conseguir um acesso. Ela chegou a gravar ele com outra pessoa no telefone, alegando ter perdido R$ 100 mil.
Segundo a amiga, a servidora ganhou vários presentes, incluindo iphone 15 Pro Max, entregue no Detran, ar-condicionado, televisão, anel, ursos etc. Esta amiga, inclusive, emprestou a conta para que a servidora recebesse valores em pix, sendo três, em um total de R$ 7,8 mil, em nome do enteado de David Chita.
Durante as investidas, a servidora e também amante, tentou diversos acessos e inclusive usou, indevidamente, senha de delegados.
David Chita e outros crimes
A polícia destacou o envolvimento pretérito de David Cloky com outras fraudes no DETRAN. Inclusive, a fraude que é apurada no presente procedimento tem como origem a repressão de fraude vultuosa, que envolveu mais de 2000 veículos, de acordo com a COTRA, relacionada a regularização indevida de caminhões com quatro eixos, antes da regulamentação.
As fraudes apuradas no presente procedimento consistem em um aprimoramento da fraude pelos despachantes e servidores do DETRAN. “Não satisfeitos em emitir o documento fraudulentamente na origem, com a repressão e inclusão das restrições, os criminosos especializaram-se e agora estão obtendo lucro através da retirada indevida das restrições’, denunciou.
Nas investigações iniciais, já há indícios da participação de David, na emissão fraudulenta dos documentos. Essa informação foi destacada no relatório da COTRA que apontou que David teria sido responsável pela emissão da guia de pelo menos 5 dos veículos envolvidos no esquema. Esse fato encontra-se em investigação na 2ª Delegacia de Ponta Porã. Nos autos dessa investigação, David foi alvo de medida cautelar de busca e apreensão, conforme consta nos autos 0000430-79.2023.8.12.0019. Essas apurações indicam o profundo envolvimento de David em fraudes relacionadas ao DETRAN, com a participação direta de servidores. E esse envolvimento não é recente.
O investigado consta como réu em duas ações penais, denunciado justamente pelo crime de inserção de informações falsas nos sistemas do DETRAN (art. 313-A do Código Penal), com a participação de servidores do órgão, em processos tramitam sob os números 0045516-40.2017.8.12.0001 33.2015.8.12.0001. e 0013414
“Dessa maneira, é evidente que as fraudes são a própria essência das atuações de David. Muito mais do que apenas reiterar na conduta delitiva, mesmo respondendo a ações penais, sofrendo medidas cautelares, o investigado continua a se aperfeiçoar e a lucrar em cima dos esquemas ilícitos’, diz a denúncia.
David Hoffamam também foi envolvido em processo na 4ª Vara Criminal de Campo Grande, sobre suposto roubo de R$ 300 mil, em 27 de novembro de 2017. Ele seria um dia intermediadores do suposto roubo. Segundo denúncia do Ministério Público, o dinheiro seria usado para comprar o silêncio do corretor de gado José Ricargo Guitti Guímaro, o “Polaco’, que na época, segundo MPE, ameaçava fazer delação premiada para entregar o esquema envolvendo políticos e empresários, sobre propina da JBS, na Operação Vostok. Cronograma
Segundo a polícia, há robustos elementos que indicam a efetivação de transações fraudulentas nos sistemas informativos do DETRAN, que teriam sido efetivadas pelo terminal utilizado pela servidora, nos dias 09/02/2024 e 15/02/2024, valendo-se da senha de outro servidor.
Além dela, todos os veículos que tiveram as baixas retiradas indevidamente no dia 15/02/2024, tiveram seus documentos acessados pelos despachantes David e H. R. Para concluir, os mesmos despachantes e inclusive outro ligado a David, E. C. N., na data de 16/02/2024, tentaram acessar os documentos dos veículos.
“Em esforço de resumir o que foi apurado, pode-se concluir que os criminosos – dentre despachantes e servidores do DETRAN – identificaram caminhões que se encontram com restrições administrativas e verificaram a oportunidade de obter lucro indevido através da retirada das restrições. Para tanto, contavam com a ajuda de despachantes para a captação de clientes-proprietários de caminhões, cobrando 10 mil reais por serviço. Para confirmar a existência da restrição, os despachantes DAVID e H.R. acessavam os documentos veiculares, em que constaria no campo próprio a restrição. Em posse da lista dos veículos com restrição, com o auxilio da servidora Y., que obtia o acesso ao sistema com a senha de outros servidores, eram efetivadas as baixas das restrições de maneira indevida. Em seguida, os despachantes acessavam (ou tentavam acessar) os documentos dos veículos, para a cobrança dos valores dos proprietários dos caminhões’.
Como atuavam os investigados?
David Chita: Provedor e Coordenador das Operações
Coordenar a execução de fraudes, incluindo a seleção dos veículos que teriam restrições removidas indevidamente; captar clientes, com o auxílio de outros despachantes para oferecer o serviço, cobrando dos proprietários dos veículos os valores indevidos; Fornecer as informações necessárias para a execução das baixas de demonstrando restrições, acesso ter privilegiado às informações dos veículos a serem manipulados; Responsável pela maioria dos downloads de documentos veiculares indicando um papel central na operacionalização da fraude; Realizar transações financeiras que evidenciam o fluxo de recursos obtidos ilegalmente, reforçando SURI posição de liderança dentro da organização criminosa.
Servidora : executora interna
Utilizar de forma indevida a senha de acesso de outros servidores para realizar as operações fraudulentas sistema informatizado DETRAN; Solicitar e conseguir acessos ampliados aos sistemas, sob pretexto de necessidades profissionais, para facilitar a execução das fraudes.; Manter uma relação profissional e pessoal com David, o que sugere uma coordenação entre ambos para a realização das fraudes; Realizar e coordenar as operações de baixa administrativas, seguindo instruções de David.
H. R. : Executor Externo e suporte operacional.
Auxiliar na operacionalização das fraudes através de download ou tentativa de documentos veiculares; colaborar na seleção e manipulação das informações dos veículos alvos de fraudes; tentar acessar documentos dos veículos um dia após as remoções indevidas de restrições, o que sugere conhecimento prévio das operações planejadas; Seu papel sugere uma função de apoio às operações, possivelmente preparando ou finalizando processos iniciados por David.
E. C. N.; Participante auxiliar
Realizar tentativas de download de documentos veiculares, indicando um envolvimento das operações fraudulentas; colaborar diretamente com as atividades de David, evidenciado pela localização compartilhada de seus escritóiros, o que sugere uma possível coordenação de atividades.
Na avaliação da polícia, seu papel, embora menos central que de outros, é crucial para execução das fraudes, atuando em momentos específicos para dar suporte às operações.
Os crimes
No entendimento da polícia, há evidências de corrupção passiva, além do crime de exclusão indevida de dados corretos nos sistemas informatizados da administração pública, com penas de até quatro anos.
A polícia concluiu que o preço para baixar indevidamente as restrições seria de R$ 10 mil. Assim, é possível imaginar que a organização teria obtido vantagem de R$ 290 mil, diante das 29 baixas irregulares. O número pode ser maior, porque o Detran realiza levantamento para identificar possíveis retiradas indevidas de restrições.
Mandado de prisão e afastamento
A juíza Eucelia Moreira Cassal entendeu que a investigada Y.O.C se valeu de sua função pública, tal como os investigados David Cloky Hoffaman Chita, H. R. S. e E. C. N. de função equiparada a de funcionário público, de forma reiterada, para a prática de condutas análogas, impondo-se o afastamento da função para obstar a utilização da prestação do serviço público para a prática de crimes.
A delegada também determinou a prisão preventiva de David Hoffamam Chita, qualificado, com fulcro nos arts. 311 e 312, do Código de Processo Penal, visando à garantia da ordem pública, bem como busca e apreensão na residência e escritórios dos envolvidos.
David Chita não foi localizado no dia 12 de junho, para o mandado de prisão. O enteado informou que ele está para o Estado de São Paulo, há dois meses. Já a servidora foi suspensa por seis meses.
foto: Divulgação
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