Os planos de saúde estão sempre no pódio quando o assunto é reclamação dos consumidores. E nos últimos meses queixas sobre a rescisão unilateral dos contratos têm sido muito mais frequente. De acordo com dados do Procon-SP, em janeiro foram registradas 48 reclamações alteração/rescisão de contrato sem solicitação. Este número saltou para 130 queixas em maio e caiu para 53 em julho. Diante deste cenário, várias ações estão sendo tomadas tanto no âmbio legislativo quanto no judiciário para tentar garantir os direitos dos consumidores.
A situação levou, por exemplo, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), a anunciar no fim de maio um acordo com operadoras de planos de saúde para suspender cancelamentos relacionados a algumas doenças e transtornos. E no mês passado, a Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara dos Deputados aprovou projeto de lei que proíbe as operadoras de cancelarem unilateralmente os planos de saúde em situações de emergência ou urgência, independentemente do tipo de assistência médica contratada. A rescisão unilateral só será possível em caso de inadimplência do consumidor por mais de 90 dias, após notificação do beneficiário para pagamento.
E mais recentemente, o Conselho da Justiça Federal um caderno com 47 entendimentos relacionados ao direito à saúde que devem servir de referência para decisões judiciais.
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Um desses entendimentos consta no enunciado 14, que prevê que é nula a cláusula contratual que admite a rescisão unilateral, sem motivação idônea, do plano de saúde coletivo empresarial com menos de 30 beneficiários.
Marina Paullelli, advogada do programa de Saúde do Idec, avalia que a rescisão unilateral dos contratos é uma prática abusiva. “Há muito tempo o Idec reivindica avanços nesses sentidos, pleiteando que ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) avance na regulação do tema e coloque os planos coletivos no mesmo patamar dos individuais”, diz.
“A regulação dos planos individuais foi tão bem sucedida para proteger consumidores, que os eles ficam indisponíveis no mercado. Muitas vezes consumidor não é vinculado a empresarial, na prática, os contratos acabam sendo individuais, porque não é plano contratado no mesmo pé de igualdade dentre empresas”, complementa Marina.
A estimativa é que mais de 80% dos planos de saúde atualmente são contratos coletivos empresariais ou planos coletivos por adesão e apenas 20% são dos modelos individuais.
Maria Feitosa, especialista em defesa do consumidor do Procon-SP, também considera o enunciado positivo porque vai direcionar as decisões futuras na Justiça, sendo um norte para que siga neste sentido.
“É importante equiparar o planto coletivo com poucas vidas com o individual, porque é uma realidade é diferente. Um plano de 2, 3 ou 5 vidas é, na sua concepção, individual”, diz Maria Feitosa.
Equilíbrio na relação
Caio Henrique Fernandes, sócio do escritório Vilhena Silva Advogados, considera que os enunciados desempenham um papel muito importante ao mostrar que há um desequilíbrio na relação entre consumidores e planos de saúde. Ele explica que, embora não vinculativos, ou seja, embora não tenham a obrigação de serem seguidos, ajudam a orientar as decisões judiciais em diferentes instâncias, incluindo o STJ.
“Não é de hoje que os planos de saúde criam obstáculos para muitas questões. Especificamente, enunciados que tratam da transparência nos reajustes, da rescisão unilateral de contratos com menos de 30 vidas e da facilitação da portabilidade de carências visam proteger os consumidores contra práticas desleais e dar mais transparência à relação entre o consumidor e as empresas”, diz o advogado.
“Se aplicados, entendo que isso ajuda a fortalecer a confiança do consumidor e dar mais proteção. Dessa forma, conseguiremos até reduzir a judicialização, uma vez que o mercado pode perceber que práticas inadequadas têm sido derrubadas pela Justiça”, complementa Fernandes.
Luciana Buffara Monteiro, advogada da área de consumidor do CSMV Advogados, comenta que o cancelamento unilateral dos planos de saúde coletivos de contratos com menos de 30 beneficiários impacta diretamente os seus beneficiários que, além de possuírem pouco poder de negociação diante das operadoras, tem uma diluição de risco reduzida e estão sujeitos ao cumprimento de carências.
“Assim, diante do aumento do número de cancelamento desses contratos pelas operadoras de saúde, o Judiciário passou a enfrentar o tema em inúmeras ações que discutem a validade da rescisão unilateral e imotivada do plano de saúde coletivo empresarial com menos de 30 beneficiários”, explica Luciana.
“Em que pese a ANS expressamente autorizar a operadora do plano de saúde a rescindir unilateral e imotivadamente o contrato coletivo, desde que haja previsão expressa sobre a rescisão unilateral, o contrato esteja em vigência por período de pelo menos 12 meses e haja a prévia notificação da rescisão, com antecedência mínima de 60 dias, os Tribunais Estaduais, assim como o Superior Tribunal de Justiça já proferiram relevantes precedentes sobre o tema, impondo condições para a legalidade da rescisão”, cometna.
De acordo com a advogada Giselle Tapai, especialista em direito da saúde e sócia do Tapai Advogados, os casos sobre a rescisão unilateral de planos de saúde chegam diariamente ao Judiciário, envolvendo controvérsias sobre legalidade, requisitos e efeitos da medida.
“No âmbito do STJ, já foram estabelecidos diversos precedentes importantes sobre o tema, tanto em relação aos planos individuais ou familiares – aqueles em que há adesão direta dos particulares – quanto aos planos coletivos – nos quais há intermediação da contratação, normalmente pelo empregador ou por uma entidade de classe”, diz.
Ela comenta que, dentre os cancelamentos ilegais, o mais relevante é o cancelamento dos pacientes em tratamento. “Nestes casos, o restabelecimento tem sido quase que imediato através de liminares na Justiça, que vem sempre garantindo a continuidade da cobertura ao beneficiário que esteja internado ou em tratamento, até a efetiva alta”, afirma.
A advogada destaca que a limitação à rescisão unilateral de plano coletivo que ocorre nos contratos empresariais com menos de 30 beneficiários também tem sido muito questionada.
“O STJ já se pronunciou em diversos julgamentos que os planos desse tipo são considerados mais vulneráveis do que os contratos coletivos tradicionais, pois os contratantes têm menos poder de negociação com a operadora”, diz.
“Os planos empresariais com mais de mil funcionários ou de multinacionais jamais poderão se equiparar aos planos de empresas locais com apenas 3 ou 4 vidas, por exemplo. A maioria das empresas deste segmento, são empresas familiares, sem nenhum poder de barganha, principalmente em se tratando de reajustes e cancelamentos”, complementa.