Existem um mundo ideal que sonhamos viver e outro real, muitas vezes violento, injusto, corrupto e preconceituoso. Quanto maior a distância entre o mundo ideal e o real, maiores são a insegurança e o desamparo. É a realidade brasileira.
No mundo ideal, os atletas e treinadores respeitam os adversários, os árbitros e os auxiliares. Os tumultos dentro e fora de campo são incomuns. Os técnicos não dão chiliques nem querem ser as estrelas do espetáculo. No mundo real, é bem diferente.
No mundo ideal, o calendário tem muito menos jogos, os gramados são quase perfeitos, os estádios são seguros e confortáveis, e há sempre lugares mais baratos. O mundo real é outro. Os pobres foram banidos dos estádios.
No mundo ideal, o desempenho das equipes também é valorizado, independentemente do resultado. No mundo real, as análises são construídas a partir do resultado final. Os treinadores e a imprensa acham que tudo o que acontece no jogo, incluindo as movimentações dos jogadores, é programado e ensaiado. Não é bem assim. Em instantes, ocorrem com frequência fatos imponderáveis que mudam a história do jogo. A ciência e o acaso caminham juntos.
No mundo ideal, os jogos da Libertadores e da Copa Sul-Americana no meio de semana teriam sido muito melhores. No mundo real, houve pouca inventividade e beleza. O Botafogo foi exceção no primeiro tempo contra o São Paulo, quando jogou uma bela partida, mas faltou o gol.
No mundo ideal, Paulinho e Hulk deveriam jogar mais próximos e pelo centro. No mundo real, na derrota do Atlético-MG para o Fluminense por 1 a 0, os dois ficaram distantes, isolados. No mundo ideal, Keno e Marcelo deveriam ter entrado desde o início, a não ser que tenha sido por problemas físicos. O gol do Fluminense nasceu de dois belos lances, o passe surpreendente e preciso de Marcelo para Keno, que driblou o marcador, como é habitual, e executou um belo cruzamento para Lima marcar.
No mundo ideal, as equipes com domínio da bola deveriam ser sempre as vencedoras. No mundo real, times que dão a bola ao adversário para contra-atacar, como fez o Peñarol contra o Flamengo, às vezes surpreendem.
No mundo ideal do futebol, as condutas certas dão sempre certo, e as erradas dão sempre errado. No mundo real, nem sempre é assim. No terceiro gol do Real Madrid, na vitória por 3 a 1 sobre o Stuttgart, da Alemanha, pela Liga dos campeões, Endrick conduziu a bola e tinha ao seu lado, livres, Mbappé e, principalmente, Vinicius Junior. Em vez de passar a bola, Endrick soltou um petardo de fora da área e fez o gol com a colaboração do goleiro. O errado deu certo. Depois do jogo, Endrick foi endeusado pela ousadia, pela confiança e por ter estrela. Se não tivesse saído o gol, ele teria sido bastante criticado.
Os grandes craques da história, o que Endrick ainda não é, mas poderá ser, destacam-se pela união de técnica, talento, inventividade, lucidez, ousadia e qualidades físicas e emocionais e por fazer, na maioria das vezes, as escolhas certas.
No meu mundo ideal, assistiria às partidas com o olhar somente de um sonhador, apreciador da beleza e do espetáculo. No meu mundo real, preciso ser também pragmático, um analista técnico e tático. Tento unir os dois mundos. Não consigo. Os dois se estranham.
batanews